quinta-feira, janeiro 25, 2007

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*Parte 1 - As Brumas do Passado*
*Parte 2 - Encontro com o Inimigo*
*Parte 3- Reminiscências e Resoluções*
*Parte 4- Conversa de Pai e Filha*
*Parte 5 - Tal Mãe, Tal Filha?*
*Parte 6 - Manhã de Natal*
*Parte 7- Love Actually*
*Epílogo - Reflexões*

Epílogo - Reflexões


Deitada no chão do quarto, a ruiva refletia sobre os acontecimentos dos últimos dias, enquanto Lady Bast, a meio amasso cinzenta que pertencia à Meri, aninhava-se preguiçosamente sobre o dorso de sua dona, com o focinho encaixado no umbigo parcialmente à mostra da menina.

Meridiana estava tão absorta em seus pensamentos que mal escutava o ronronar de felina. Ela ainda tinha na mente o avião do pai cruzando os céus de volta a Nova York, enquanto ela permanecia parada frente aos janelões do aeroporto Heathrow, observando o aeroplano se tornar um ponto cada vez mais distante e pequeno, enquanto se segurava para não deixar as lágrimas da saudade antecipada tomarem conta de seu rosto. Era uma dorzinha fina e aguda, mais intensa naquela manhã cinzenta de inverno, talvez pelo peso da conversa franca que ela e o pai tiveram sobre Ludovic e sobre alguns acontecimentos posteriores à morte de Elizabeth.

Deve ter sido, para o escritor, um fardo pesado de se carregar durante todas aqueles anos: a culpa que Nick guardava dentro dele, o receio de que Meridiana pudesse odiá-lo pelo que ele fez após a morte da esposa. Mas como ela poderia odiar o pai? A jovem bruxa não conseguia avaliar se ela teria tomado atitude semelhante se estivesse no lugar do escritor. O importante é que, depois, quando a tempestade finalmente passou no interior de seu pai, não houve um momento sequer que ele não estivesse ao lado de Meridiana quando ela realmente precisou. A relação dos dois tinha seus altos e baixos como qualquer relação entre pai e filha, mas Nick sempre foi seu porto seguro, não seria agora que as coisas iriam mudar. Não seria agora que ela o amaria menos.

A moça deixou a mente escapar para assuntos mais alegres e felizes. Perguntava-se se os todos amigos teriam gostado dos presentes de Natal. Os de Mina e Adhara forma particularmente difíceis. O da quintanista pela dificuldade prática de se encontrar uma capa de inverno adequada para uma domadora de dragões em uma megápole como Londres. No caso da prima, a dificuldade foi encontrar algo que não soasse frio e impessoal. A relação das duas avançara consideravelmente nos últimos meses, e a ruiva considerava a sonserina como uma amiga. É verdade que Adhara não era de falar muito sobre o que realmente pensava ou sentia, e, Meridiana precisava admitir que sob o verniz de extroversão, ela era alguém muito mais fechada que a maioria das pessoas poderia supor. Contudo, ela e a prima acabaram encontrando um modo de se entenderem mutuamente, e Meri estava feliz com isso. Desejava que o presente refletisse esses sentimentos. Felizmente acabou encontrando uma rara edição encadernada do livro "O Jardim Secreto". Desde que vira o filme com Adhara na noite que a prima passara em sua casa , a grifinória sempre associava a sonserina de olhos azuis-meia noite à Mary Lennox. E Meridiana desejava imensamente que a morena encontrasse um "jardim secreto" onde pudesse ser feliz. Talvez Dhara já o tivesse encontrado, pois ela parecia mais leve ao lado de Barton.

E Meridiana poderia finalmente dizer que compreendia plenamente aquela sensação, pois ela própria se sentia de modo similar em relação a Lucien...Era bobo, idiota e até um pouco ridículo, mas o mero pensamento de que ela e Lucien estavam juntos a fazia sorrir com tamanho contentamento que ela mal cabia dentro de si mesma....
Ridículo mesmo...Mas como costumava dizer aquele poeta português de quem Raven era fã: "Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas".
E ela nunca se sentiu tão feliz por ser tão ridícula, por estar amando.

Batidas na porta indicaram que Frida já estava pronta para levá-la até King Cross. Levantou-se ainda com um sorriso bobo a brincar-lhe nos lábios, aninhando Bast cuidadosamente em seu colo. Naquele momento, voltar para Hogwarts parecia-lhe a coisa mais maravilhosa do mundo.

Parte 7 - Love Actually


-Meri? - Nicholas chamou enquanto dava pancadas leves na porta do quarto da filha, obtendo apenas o silêncio como reposta.

Fosse outra situação, o escritor teria esperado até Meridiana se acalmar e ela própria procura-lo para conversar, mas, a presença de Lucien na casa mudava um pouco a questão. Não podia simplesmente despachar o rapaz sem conversar com a filha primeiro. Assim, Nick abriu a porta, se aproximando de Meri, que estava deitada em sua cama.

A ruiva virou de lado. Não queria encarar o pai. Durante meses mentira para ele. Não falara de seu encontro com Ludovic em junho passado. Era como se tivesse traído a confiança de Nicholas.

O escritor sentou-se na beirada da cama, pousando a mão no ombro de Meridiana. Dizem que para os pais, seus filhos nunca crescem. Para Nick aquilo era a mais pura verdade, contudo, algumas vezes Meri se posicionava de forma madura e determinada, tanto que ele se esquecia de que ela era só uma menina, e tinha o direito de agir como tal.

-Filha...- começou ele, de modo suave - Você fez a coisa certa em não me contar sobre Ludovic...Foi inconseqüente em ir atrás dele, mas fez bem em seguir os conselhos de Frida e Kamus. Não estou com raiva, Pimentinha. E, bem, talvez depois de tudo que eu te contar. Sobre meu comportamento depois que sua mãe morreu, quem deva pedir desculpas sou eu.

-Não deve ter sido algo tão terrível assim... - ela murmurou, ainda de costas.

-Isso cabe a você decidir... - Nicholas continuou. - Mas depois teremos tempo de conversarmos com calma sobre Ludovic. Nesse instante tem um visita lá embaixo te esperando...Se você quiser falar com ele, claro.

-Visita? - a ruiva perguntou, virando-se finalmente para o pai.

-Lucien.

A respiração de Meridiana suspendeu por alguns segundos. Como era possível? O que ele poderia estar fazendo ali? O que ele queria com ela? Milhares de perguntas se formaram na cabeça de Meri. Mas ela sabia que só teria respostas para elas se descesse e conversasse com o rapaz.

-Tudo bem - disse ela, com uma voz aparentemente calma, embora um discreto tremor traísse seu nervosismo - Diga para ele que só vou trocar de roupa e desço.

***************


Meridiana desceu as escadas com o coração acelerado. Na pequena sala de estar da casa dos Johnson, um moreno estava sentado de modo ereto e elegante, possivelmente reflexo da criação requintada que ele tivera desde menino. A moça pensou consigo que eles deram tantas e tantas voltas em torno deles mesmos, e que, agora, provavelmente era a hora da verdade. Sentiu um pouco de medo sobre o que aconteceria entre eles, mas ao mesmo tempo se sentia grata por Lucien ter vindo. Esperar até o retorno à Hogwarts seria uma tortura para ela. De certo modo, sentia também um orgulho silencioso em relação ao rapaz que roubou seu coração. Ele tomara uma atitude, viera vê-la. Isso mostrava que ele tinha caráter e corria atrás do que queria. Não era um passivo diante do mundo, e Meri não esperava menos daquele por quem se apaixonara.

Lucien ergueu o rosto, sentiu o coração disparar ao ver a sua ruivinha entrar pelo arco que ligava a sala de estar ao corredor duplo que acessava as escadas por um lado e a entrada da casa pelo outro. Sentiu um nó comprimir-lhe a garganta, mas se chegara até ali, não iria desistir no último minuto. Queria e precisava conversar com Meridiana. Levantou-se do sofá para recebe-la.

-Vou deixa-los sozinhos para conversarem mais a vontade. - a voz de Nicholas se fez ouvir.

O austríaco cumprimentou o escritor com um meneio de cabeça.

-Foi um prazer conhece-lo, Sr. Johnson.

-O prazer foi meu, Lucien - o escritor respondeu, dirigindo-se, em seguida, para cozinha.

A ruiva ficou parada no meio da sala. Os braços cruzados na altura do peito. Estava completamente aturdida. Não sabia como começar aquela conversa, portanto, preferiu fitar o rapaz esperando que ele desse o primeiro passo. O lufano, por sua vez, também fitava a moça tentando encontrar as palavras certas para dizer a ela, mas nada lhe ocorria. Portanto, achou que o melhor seria ir direto ao ponto.

-Eu preciso saber, Meri, por que você está fugindo de mim.- começou Lucien.

A ruiva suspirou, resignada. O pai tinha razão. Ela tinha que parar de ter medo de ser feliz. E só poderia alcançar a felicidade depois de conversar com Lucien, pois, independente de como as coisas se ajeitassem ao fim de tudo, só após aquela conversa poderia decidir qual rumo seguir em sua vida.

-Eu não estou fugindo, Lucien. - disse ela, baixinho - Não mais...Eu só...eu...não sei o que dizer para você...

Por mais que lhe fosse difícil, Meridiana manteve seu olhar firme sobre o rapaz. A necessidade de que ele soubesse que, daquela vez, ela estava sendo completamente sincera, urgia dentro dela.

-Eu só quero entender, Meri. - dizia o lufa-lufano. Apesar do nervosismo latente, sua voz era serena, porém firme. Não queria que a moça lhe interpretasse mal. - Entender por que me rechaçou daquele modo depois que nos beijamos na noite da festa do Slughorn. Só me fala isso, e depois, se você assim desejar, te juro que nunca mais te procuro novamente.

A jovem feiticeira cerrou seus olhos verdes tentando encontrar forças para dizer tudo o que estava guardado dentro dela, tudo o que o rapaz queria ouvir, mais do que isso, tudo o que ele precisava saber.

-É tanta coisa junta... - começou ela - Mas, você tem razão...É justo que você saiba...A verdade é que eu gosto de você...muito. Mais do que eu mesma gostaria de admitir, dadas as circunstâncias. Mas não sei se é certo ficarmos juntos... Primeiro porque eu sou, de certo modo, uma pessoa marcada...Não seria seguro para você ficar ao meu lado...

-Eu sei sobre seu tio. - cortou o rapaz, que já imaginara que uma das razões para Meridiana evitá-lo com tanto afinco era Ludovic.

-COMO?! - a ruiva surpreendeu-se completamente.

Lucien fixou seus olhos bicolores nos dela para que Meridiana soubesse que tudo o que ele diria a seguir era a mais completa verdade, que ele compreendia as razões dela, embora não concordasse com as mesmas.

-Foi seu tio quem atacou meu pai no último verão. Por causa disso, a Sel acabou me contando o que aconteceu com você na caverna, em junho passado, quando ele quase a seqüestrou. E antes que você cogite qualquer relação entre os dois fatos, o ataque de Black-Thorne ao meu pai foi apenas uma infeliz coincidência.

-E você sabia esse tempo todo? - disse ela, quase em choque, sentando-se no sofá da sala - Por que não me disse?

O rapaz sentou-se ao lado de Meridiana, ainda hesitante de aproximar-se dela. Não queria parecer invasivo, não naquele momento em despejava sobre ela várias das verdades que ele escondera nos últimos meses.

-Porque, se eu tivesse te contado, conhecendo como eu te conheço, a sua primeira reação seria se afastar de mim...Como está fazendo agora.

A grifinória mordeu o lábio inferior, como sempre fazia em situações tensas como aquela. Fitava o chão refletindo sobre o que o lufa-lufano acabara de lhe contar.Lucien estava certo, ela certamente teria se afastado do rapaz para protege-lo de qualquer mal que acreditasse estar vinculado à ela.

O austríaco afastou uma mecha que caia sobre os olhos de Meridiana antes de prosseguir.

-Será que você não entende, Meri, que você é a pessoa mais importante para mim - disse ele com uma voz ainda mais firme que a do início da conversa. - Ficar do seu lado é uma escolha minha. Eu te amo, não importa os perigos que isso possam me trazer. Eu sei me cuidar, você não precisa me proteger.

-Mas... e a Sel? - perguntou Meridiana, voltando-se para Lucien, com os olhos verdes ainda muito arregalados ante tantas surpresas. -Ela gosta de você, não?


Lucien estreitou os olhos. Então ele e Selune estavam certos. Meridiana realmente vira o falso beijo que eles deram em Hogsmeade. Foi por isso que Meri não aparecera no encontro que marcaram no Três Vassouras.

-Você viu, não viu? - o rapaz balançou a cabeça com tristeza. Tantos desencontros por causa de uma coisa tão boba. - Droga...Eu não acredito! Não era para ter sido daquela maneira.

-Então, aconteceu mesmo, não foi? O beijo...foi de verdade? - ela perguntou, tentando manter o tom neutro para mascarar a mágoa que sentia.

-Tão verdade quanto as cartas que o Jean Paul te enviou nos últimos dois meses... A Raven acabou me contando que já faz uns quatro meses que ele te mandou uma coruja pedindo desculpas por tudo e dizendo que arrumou uma nova namorada. - respondeu Lucien, sem parecer nem um pouco magoado com a mentira que a ruiva lhe contara, mas sim preocupado em esclarecer o mal-entendido ocorrido graças à cena no Três Vassouras. - Eu te juro, Meri, que o que você viu foi uma pegadinha que eu e a Sel armamos para o McLaggen, já que ele não largava do pé da minha irmã...Não era para ninguém ter me visto, nem o McLaggen...Ele só precisava ver a Sel com alguém...A gente nem se beijou de verdade! Ela beijou o canto da minha bochecha! Eu ia te contar depois...Achei até que ia dar umas boas risadas por conta disso, já que também não gosta dele. Cara, eu não acredito...Eu ia me declarar para você naquele dia.

As faces de Meridiana começaram a ficar mais vermelhas que os seus cabelos, mas não por embaraço ou timidez, mas de pura raiva. Se não fosse esse mal-entendido, ela e Lucien poderiam estar juntos desde outubro. Como é que ele pôde?

-Isso foi tão...tão...idiota, Lucien! Será que você e a Sel não pensaram nas conseqüências da brincadeira de vocês? - Meri praticamente gritou - O quanto eu...Eu não acredito...Eu ainda contei para o...minha Morgana, eu não acredito...E todo esse tempo...

A ruiva tentava se controlar, mas em vão, estava cansada demais para represar toda a frustração e tristeza que sentira nos últimos dois meses. Começou a chorar quase compulsivamente, sem se importar com a presença do rapaz, ou com o fato de que seu pai e sua tia poderiam escuta-la da cozinha próxima.

Lucien olhou desesperado para Meridiana, então, a puxou, carinhosamente para perto de si, encostando a cabeça dela em seu peito. Ela tentava sufocar os soluços, mas isso fazia apenas com que eles aumentassem. Os olhos bicolores do rapaz se estreitaram mais uma vez. Ele sabia que fora um estúpido completo. Mas até aquele momento não tivera plena consciência do quão grave foram as conseqüências dos seus atos.Quase perdera Meridiana. Pior do que isso, fizera a pessoa que mais lhe importava na vida chorar e sofrer desnecessariamente.

-Será que um dia você vai me perdoar, fraulëin? - disse ele beijando-a por cima dos cabelos vermelhos - Eu nunca quis te fazer chorar...Tudo o que eu queria era colocar sempre um sorriso no seu rosto e poder segurar a sua mão quando isso não fosse possível. Mas eu estraguei tudo...

Meridiana levantou os olhos muito vermelhos, encarando o moreno. O arrependimento estava estampado em cada linha do rosto de Lucien. O austríaco soltou Meri por alguns segundos. Com as pontas dos polegares, e em silêncio, limpou as faces molhadas da moça, então, com um toque firme, porém paradoxalmente gentil, puxou o rosto dela para perto do seu, pousando seus lábios sobre os dela. Meridiana fechou os olhos, correspondendo ao beijo com a mesma intensidade e entrega com que fizera na noite da festa do professor Slughorn.

-Eu realmente te amo, fraulëin. - foi a primeira coisa que ele disse ao separar-se dela. - Mas depois do que fiz, talvez eu não tenha mais o direito de te pedir para namorar comigo.

A ruiva meneou a cabeça algumas vezes.

-Eu admito que fiquei magoada e que o que vocês fizeram foi imbecil, mas não sou santa nessa história. Se as coisas chegaram a esse extremo, parte da culpa também é minha. Se eu não tivesse sido tão cabeça dura, se eu tivesse conversado com você ou com a Sel....

-Mas ficar remoendo o passado não vai adiantar em nada - Lucien retorquiu - Nós dois erramos, ponto final. Agora temos que olhar para frente.

-E começar do zero? - Meridiana completou.

Lucien sorriu, pousando mais uma vez a mão no rosto da sua ruivinha.

-Se você quiser.

Foi a vez, então, de Meridiana aproximar-se de Lucien, beijando-o , sem medo algum. O rapaz aninhou sua ruivinha em seus braços, deixando-se levar por aquele tão esperado momento. O beijo da moça era resposta suficiente para ele.

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Parte 6 - Manhã de Natal


Com a cabeça apoiada na lateral da janela, o rapaz observava o próprio reflexo no vidro ligeiramente opaco. Lá fora, flocos de neve caiam, pesados, sobre a capital inglesa. Lucien sorriu com certa melancolia ao perceber que o conjunto que sua imagem e a neve faziam dava a impressão de que a pequena tempestade glacial ocorria dentro dele. A ironia é que aquilo não estava muito distante do modo como se sentia.
Faziam cinco dias desde que beijara Meridiana na festa promovida pelo atual mestre de Poções. E a reação dela foi exatamente oposto do que ele esperava. E, pelas conclusões que ele e Selune chegaram, a culpa era do próprio Lucien. Tudo por causa de um rompante de inconseqüência e imaturidade. Por causa de uma brincadeira que, a princípio, ele acreditou ser inocente.
Batidas leves fizeram com que ele desviasse seu olhar para a porta do quarto. Um par de olhos azuis celestes o fitavam com preocupação.

-Mére quer saber se não vai descer para abrir os presentes de Natal. Todos já estão reunidos.

O jovem austríaco sorriu tentando tranqüilizar a moça.

-Eu já estou indo. Só estava pensando um pouco, schwester.

A loira adentrou o quarto por completo, cerrando a porta atrás de si. A expressão no rosto ainda denotava preocupação.

-Sei que sou um pouco lenta para notar as coisas ao meu redor, mas não sou criança, sabia? Não precisa ficar escondendo o que sente de mim.

O rapaz olhou com carinho para a "irmã". Às vezes Selune o surpreendia. Por trás daquele jeito avoado, existia alguém mais capaz do que deixava transparecer.

-O que foi dessa vez? - a francesinha continuou perguntando - Sua mãe ou Meri?

Lucien apoiou-se na mesa de estudos próxima à janela, antes de responder.

- A segunda - disse ele, em meio a um sorriso inconformado.

-Em poucos dias vamos voltar para Hogwarts, Luc. Assim que vocês se encontrarem, se acertam - a grifinória falou, tentando reconfortar o rapaz.

Lucien apertou com força a beirada do móvel de madeira escura. Ele não poderia esperar o retorno à escola. O espaço entre o Natal e o dia cinco de Janeiro, quando finalmente retornariam a Hogwarts, parecia uma eternidade para ele. Aquela era a hora de definir sua relação com Meridiana. Agora que ele sabia que o coração dela estava livre, não havia razões para se refrear. Com um olhar de determinação, Lucien ergueu o rosto, encarando mais uma vez Selune.

-Sel, preciso de um favor seu. Preciso do endereço da Meri. Vou resolver isso hoje, de uma vez por todas.

***************


A ruiva espreguiçou-se na cama, sentindo-se imensamente bem. A ceia da noite anterior havia sido memorável. Ficara verdadeiramente feliz por ter conhecido Marion Peterson, a antiga melhor amiga de sua mãe. Despediram-se com a promessa de que manteriam contato sempre que possível.

E agora era manhã de Natal. Meridiana adorava aquele data em questão. Abrir presentes debaixo da árvore era tradição que se mantinha até hoje na casa dos Johnson. Levantando-se com renovada animação, a moça de cabelos carmim desceu ainda descalça e de pijamas, e, apressada, dirigiu-se para o andar inferior. Sentou-se debaixo da árvore, indecisa sobre qual pacote abrir primeiro.

-Se eu fosse você, começava pela caixinha dourada à sua direita - a voz do pai se fez ouvir logo atrás dela. - A senhora Atkins deixou com Frida antes de se mudar em definitivo para Gales para morar com a sobrinha.

Meri sorriu quase intuindo o que deveria ser seu presente. Sua vizinha, Florisbella Atkins, fora parte marcante de sua infância. Tinha à senhora como uma avó, e sabia que a recíproca era verdadeira.
O olhar da menina se iluminou ao constatar que estava certa ao abrir a caixinha e ver um par de chaves prateadas presas por um pequeno chaveiro de coelho.

-O cadillac azul! - ela quase gritou de contentamento.

Nicholas assentiu.

-No próximo verão, quando eu voltar, te ensino a dirigir.

O sorriso no rosto de Meridiana ampliou-se ainda mais ante a promessa paterna. As orbes esmeraldinas voltaram, então, a esquadrinhar os demais presentes, tentando adivinhar quem poderia tê-los enviado, até pousaram em um envelope assustadoramente familiar. Com um nó na garganta, o apanhou, abrindo-o com cautela. Meri nem se deu ao trabalho de ler seu conteúdo, sua atenção recaiu para a assinatura do remetente no fim da missiva: Ludovic Black-Thorne.

Fitou o pai com um olhar assustado, e, sem dizer palavra alguma, correu escada acima.

-Meri! Meri! - Nick chamou a filha, apreensivo.

O escritor tencionava ir atrás de sua menina, mas precisava saber o que desencadeara um rompante tão intenso em Meridiana.

Abaixou-se, pegando a carta que a filha largara no chão, compreendendo de imediato o que acontecera. A porta da cozinha se abriu, revelando a figura esguia e elegante de Frida. Ao ver Nicholas segurando o pergaminho prata, também ela compreendeu que algo muito errado havia acontecido.

-Onde está Meri? - a polonesa perguntou.

Nicholas desgrudou os olhos do papel, notando, apenas naquele momento, que não estava mais sozinho.

-Correu escada acima...deve estar no quarto dela.

-Ele escreveu para ela de novo, não foi?

-De novo? - Nick arqueou a sobrancelha.

-No aniversário dela, Ludovic também mandou um cartão de felicitações. - a loira explicou - Talvez fosse melhor você ir conversar com ela.

Nick concordou, já se encaminhando para a escada quando o som estridente da campanhia se fez notar. Ele, então, dirigiu-se para a porta de entrada. Ao abrir a porta, deu de cara com um rapaz moreno, de olhos bicolores. Pela descrição da filha, imediatamente deduziu que aquele era Lucien von Weizzelberg . Definitivamente aquela manhã de Natal estava bastante agitada.

Parte 5 - Tal Mãe, Tal Filha?


-Pai, tia Frida já chegou? Eu queria que ela me ajudasse com o vestido que ela me deu de presente. Aquele corpete é meio complicado de vestir.- gritou Meridiana, descendo da escada aos pulos. Antes que a menina continuasse a falar, notou que o pai estava sentado na sala de estar, acompanhado por uma mulher que positivamente não era sua tia Frida.

Era uma negra muito bonita, com longos cabelos trançados até à cintura ao estilo rastafari.

-Er...Oi... - disse a ruivinha um pouco encabulada.

Nick e a mulher se levantaram ao perceberem a chegada de Meri.

-Filha, esta aqui é Marion Peterson... - anunciou o escritor.

-A melhor amiga da mamãe nos tempos de escola? - a menina perguntou, os olhos verdes muito arregalados de surpresa e curiosidade.

-Bem, acho que posso aceitar esse título - Marion sorriu, estendendo a mão para a menina - mas hoje eu atendo pelo nome de Marion Hernandez.

Meridiana apertou a mão de Marion, perguntando:

-Você está brincando comigo, não? Você é A Marion Hernandez? A estilista bruxa casada com Terrance Hernandez, o vocalista da banda bruxa Dervixes Giratórios?

A negra riu com gosto.

- Não sabia que ia encontrar uma fã aqui, Nick...A dúvida é se Meridiana é minha fã ou fã do Terry.

A garota corou até às orelhas.

-Na verdade um pouco dos dois...

-Mas tenho certeza que mais do Terrance. - Marion, piscou - Eu não me importo, já estou acostumada.

-Vou deixar vocês duas sossegadas - falou Nick - Preciso terminar a nossa ceia.

-Você, cozinhando? - falou Marion em um misto de divertimento e espanto - Será que eu preciso ficar com medo?

-Engraçadinha. - respondeu o escritor. - Certas coisas mudam, sabia? Tem anos que eu não incendeio a cozinha.

Meridiana não conteve o riso. Nunca conseguiria imaginar o pai como um cozinheiro desastrado. Desde que se entendia por gente, ele era um verdadeira às na cozinha.

Assim que Nicholas deixou a sala, Meridiana sentou-se defronte Marion. Não se sentia ainda confortável com aquilo. A situação era um pouco estranha.

-Hum...Então, o que te traz aqui na Inglaterra? - começou a menina, para tentar quebrar o gelo.

-Vim participar de um desfile beneficente para as vítimas da Guerra, depois de amanhã, em Paris, e aproveitei para matar saudades de velha terrinha. Infelizmente nem meu marido, nem minha filha puderam vir.

-Você tem uma filha?

-Ah, sim, tenho sim - respondei a negra, tirando da bolsa um pequeno álbum de fotografias - Aqui - falou, mostrando a fotografia de uma garotinha de aproximadamente uns 10 anos de idade, que acenava sorridente. - O nome dela é Elizabeth.

Meri desviou os olhos da fotografia, observando atentamente a amiga da mãe.

-Como ela é? - perguntou a ruivinha.

-A garotinha mais fofa do mundo, com uma imaginação imensa.- respondeu Marion, ainda olhando fixamente para a foto, sorrindo - Mas eu sou mãe coruja, portanto, a minha opinião é meio tendenciosa..

-E...e...como ela era? - perguntou Meri, um pouco hesitante.

Marion levantou o rosto, encarando as ansiosas orbes esmeraldinas de Meridiana.

-Sua mãe?

A menina assentiu.

-A pessoa mais teimosa e cabeça-dura que já conheci na minha vida. E também com o maior coração de ouro que já vi. Sua mãe era um pessoa especial, Meridiana. Era mais do que minha amiga. Era a minha irmã. A gente aprontava horrores em Hogwarts, você precisava ver.

-Mamãe, aprontando? Isso é novidade para mim. - disse a ruivinha risonha.

-Bem, na verdade quem aprontava todas era eu. Betsy era muito séria, séria demais, ás vezes. Sua mãe apenas cobria a minha retaguarda. Coitada da minha amiga, eu era terrível!!! Hum...espera aí....

Marion voltou sua atenção novamente para o interior da bolsa que trouxera consigo, retirando de lá mais um álbum de fotografias.

-Tenho uma coisa para te mostrar. - disse a negra, entregando o álbum para a ruivinha. - São algumas fotos da época da escola.

A menina não se fez de rogada, pegando as fotos que lhe eram estendidas. Folheando as páginas viu diversas imagens da Elizabeth e Marion, desde bem pequenas, aos 11 anos, quando entraram para a Hogwarts, até seus 17 anos, prestes a se formarem. Era como se toda a vida da mãe durante os 7 anos que vivera no castelo estivessem agora nas suas mãos. A menina se segurou para não chorar. A última das fotos mostrava um grupo de estudantes, todos em trajes de gala, acenando animadamente para o fotografo. Embaixo, em letras douradas estava escrito: "Formandos - Grifinória"
Meridiana aproximou o álbum dos olhos, observando atentamente cada detalhe da fotografia.Todos aqueles jovens pareciam tão felizes, com um futuro brilhante diante deles. A mãe, em um vestido vermelho, abraçava, sorridente, uma negra de cabelos curtinhos, metida em um lindo vestido lilás.

-O que aconteceu com eles? - perguntou Meri, quase em reflexo.

Marion olhou tristemente para a foto. Aquilo lhe trazia dolorosas lembranças. Estar ali, com a filha de Betsy, tão parecida e ao mesmo tempo tão diferente da amiga que perdera, tudo aquilo era difícil para ela.

-A maioria morreu - começou a negra, quase em um sussurro. - Os mais famosos, Lily e James Potter, você certamente já sabe a história. Susan Timms e Betsy morreram ainda durante a primeira guerra. Emelina Vance foi assassinada em julho passado. Frank e Alice Longbotton foram torturados por comensais, e, ao que me consta, estão no St. Mungus. E Sirius... Bem, ele morreu em junho passado, se não me engano. Parece que saiu uma pequena nota no Profeta Diário comunicando o ocorrido e desmentindo o envolvimento dele com Você-sabe-quem...

A negra balançou a cabeça melancolicamente.

-Eu sempre soube que ele era inocente. Nunca consegui acreditar que ele fosse capaz de trair os Potter como fora acusado de fazer. Não o cachorrão... Bem, entre mortos e feridos, sobramos eu, Remus Lupin e Selene Trimble. Ela também fugiu para a América como eu. Mas - disse a negra enxugando discretamente o canto dos olhos- hoje é noite de Natal, vamos falar de coisas alegres!

-È melhor mesmo... - concordou Meri, um pouco impressionada com o tom trágico daquela história.

A ruivinha fechou o álbum, colocando-o na mesinha de centro da sala. Um silêncio estranho, quase sepulcral, se apossou das duas, até que Marion decidiu quebrar novamente o gelo.

-Hum...Se você quiser, Meridiana, posso te ajudar com o vestido...Não sei se você já ouviu falar, mas, eu trabalho com roupas. - a negra piscou.

Meridiana riu, mais relaxada.

-Eu adoraria uma ajuda sua. É bom que você também aproveita e vai me contando sobre as coisas que você e mamãe aprontaram na escola... Fiquei realmente curiosa...

Parte 4 - Conversa de Pai e Filha


A manhã da véspera de Natal chegou demasiadamente silenciosa na casa dos Johnson. Nicholas e Meridiana estavam na sala de estar montando a árvore de Natal. Frida avisara mais cedo que passaria o dia todo na Companhia Nimbus, resolvendo alguns negócios de última hora e só chegaria quase na hora da ceia, portanto, cabia apenas ao pai e à filha ajeitarem os últimos preparativos para a festa.
O escritor se apoiava em uma pequena escada para colocar os enfeites no pinheiro que comprara no início da manhã, antes da filha acordar. Entretido em tentar afastar dos pensamentos o desagradável encontro que tivera com o cunhado no dia anterior, ele mal notou que a própria Meridiana estava imersa em seus pensamentos e entregava-lhe mecanicamente as coloridas bolas de vidro.

-Filha, me passa agora um anjo ao invés de uma bola, sim? - pediu Nicholas, estendendo a mão sem olhar para baixo. Quando sentiu seus dedos se fecharem sobre uma forma arredondada, percebeu que Meri não escutara uma palavra sequer do que ele dissera.

Abaixou o rosto, observando atentamente a filha. Meridiana tinha o olhar opaco e distante, perdido em algum ponto impreciso da sala. Toda a energia vibrante que ela demonstrara nos dia anteriores, especialmente quando a Adhara a viera visitar ou encontraram Mina por um acaso, haviam desaparecido por completo. Era claro, para Nick, que havia alguma coisa errada com sua menina. Ele desceu da escada, colocando a mão no ombro da garota. Meri olhou para o pai como se tivesse recém despertado de um sonho.

-Qual é o problema, filha? - perguntou Nick, de modo afetuoso.

-Eu...eu...- a ruivinha gaguejou sem saber o que dizer. Deveria contar para o pai sobre Lucien? Ela mesma não entendia o que estava acontecendo e não havia realmente nada que Nicholas pudesse fazer.

Diante da indecisão da filha, Nick pegou a caixa de enfeites que Meri segurava e colocou no chão. Abraçou Meridiana. A menina deixou-se envolver pelos braços do pai, fechando os olhos.

O escritor afagou carinhosamente os cabelos da menina, dizendo:

-Me diz, o que está te incomodando, Pimentinha...

-Você quer mesmo saber? Mesmo não podendo fazer nada para me ajudar? - perguntou a jovem bruxa abraçada ao pai, olhos ainda cerrados.

-Mesmo se for assim eu quero saber.

Meridiana afastou-se um pouco de Nick, tomando fôlego e criando coragem o suficiente para dizer as próximas palavras. Sentia que precisava desabafar. Urgia nela a necessidade de colocar para fora tudo o que a afligia, pois caso não o fizesse, ela sentia que iria simplesmente estourar como um explosivim desgovernado. E a quem mais poderia recorrer a não ser seu pai? Nicholas poderia ter os defeitos dele e Meri não era necessariamente uma pessoa fácil. Tinham suas brigas e discussões como qualquer pai e filha, em parte pela teimosia dela e outro tanto pelo jeito super-protetor dele. Contudo, essas pequenas discussões acabavam servindo muito mais para fortalecer o elo que os unia que para minar a forte confiança que havia entre eles. E era com essa certeza dentro de si, que a grifinória decidiu se abrir com o pai.

-Eu estou apaixonada.

Nicholas deixou escapar uma risada curta. Meridiana olhou para o pai, um pouco aturdida. Aquela era a última reação que esperava vir dele. Sentiu-se até mesmo um pouco ultrajada com aquilo, fechando o cenho quase de modo reflexo. O trouxa notou o semblante carregado da menina, e, decidiu esclarecer as coisas. Aquele era um assunto sério, e, talvez, até mesmo delicado, e era necessário que fosse tratado com igual deferência. Eram os sentimentos de sua filha que estavam ali. Nunca seria capaz de tratar tal assunto com leviandade e Meridiana precisava saber disso.

-Desculpa, Pimentinha.- falou, agora sério- Eu não estou rindo de você. Só estou aliviado. Pensei que fosse algo pior, se é que você me entende.

A menina deu um sorriso pálido, se acalmando um pouco. Sim, ela compreendia. Sabia que o pai estava se referindo ao tio dela, apesar de ainda não ter conhecimento sobre o recente encontro entre o trouxa e o comensal.

-Vem, filha, vamos nos sentar no sofá. Não dá para tratarmos de algo tão importante em pé, no meio da sala.

Meridiana assentiu, deixando-se guiar por Nick que a conduziu pela mão até o móvel. Depois de acomodar a filha cuidadosamente no assento, Nick sentou-se ao lado dela, perguntando:

-Então, quem é o rapaz?

-O nome dele é Lucien. Eu já falei dele para você...- respondeu Meri.

-Várias e várias vezes. - o escritor sorriu marotamente - Tantas que eu devia até ter desconfiado.

As bochechas de Meridiana ficaram completamente rosadas ante o comentário do pai. Sentiu o rosto queimar com mais intensidade ao se preparar para o que diria em seguida.

-Nós nos beijamos pouco antes do feriado - disse ela quase em um engasgo. Se ela começara aquela conversa, teria que ir até o fim, sem omitir nada do que acontecera. - e eu simplesmente pedi para ele me esquecer depois disso...

Nicholas sentiu uma pontada fina em seu coração ao ouvir as palavras da filha. Então era aquele o problema, ela estava fugindo daquilo que sentia, e bem conhecendo o caráter de Meridiana, ele pôde imaginar o que se passava pela cabeça de sua menina, especialmente agora que sabia sobre o encontro dela e Ludovic em junho passado.

-Você tem medo de que Ludovic possa fazer algo contra o rapaz se vocês dois se envolverem? - perguntou Nick, de modo firme e direto. Tão direto que Meri não conseguiu conter o espanto em seu rosto. Ela arregalou os olhos, completamente estupefata.

Era a primeira vez que o pai mencionava o tio tão abertamente desde que ele descobrira sobre a fuga do comensal e quisera levar Meri consigo para a América cerca de um ano atrás. O irmão de sua mãe praticamente se tornara um tabu entre eles. E se Nicholas o mencionara era porque realmente entendia a relevância do que Meridiana lhe dizia.Ela ficou realmente agradecida ao pai por isso.

-Bem, - começou ela- essa é apenas metade da história, pai... Eu não suportaria ver Lucien ferido por minha causa. Não posso pedir para ele se arriscar...

Nicholas balançava a cabeça negativamente.

-Filha, você não pode pensar assim. - sua voz era grave e séria. Uma seriedade que Meridiana nunca antes vira Nick demonstrar. - Sei que você quer proteger Lucien, mas você não pode decidir por ele...

-Mas, pai...

-Não tem mas, Meri!. Me deixa terminar antes de argumentar. -cortou o escritor de modo severo. Talvez ele estivesse sendo duro demais, mas não podia permitir que a filha jogasse a própria felicidade pela janela por causa de teimosia e idéias equivocadas - Sei que tem a melhor das intenções, mas agir assim só vai piorar as coisas.

Meridiana abriu a boca para novamente tentar se manifestar, mas o pai apenas acenou para que ela esperasse. A filha podia ser muito inteligente quando se tratava de livros e estudos, mas em questões do coração, ela ainda tinha muito a aprender. E ele sabia que as palavras que diria a seguir eram de suma importância para esse aprendizado. Precisava que Meri absorvesse cada uma delas em sua totalidade, ou sua menina estaria fadada a concretizar aquela que poderia ser a maior burrada de toda a sua vida.

-Sabe, quando eu e sua mãe nos conhecemos, a situação não era muito diferente daquela que vivemos hoje. Havia uma guerra tão terrível quanto a atual. E seu tio já era um comensal quando começamos a namorar. Isso não impediu Elizabeth de ficar comigo, nem eu de tomar a decisão de me casar com ela. E mesmo as coisas tendo acabado como acabaram, eu te juro, filha, se eu tivesse outra chance, faria exatamente tudo do mesmo modo. Toda dor que veio depois não foi o suficiente para apagar cada segundo de felicidade que eu passei ao lado de sua mãe. Você não pode nem deve parar de viver por causa do seu tio.

A ruivinha baixou os olhos, comprimindo por entre os dedos a barra da saia de xadrez vermelho que vestia. O pai tinha toda razão, mas ela seria capaz de seguir aqueles conselhos?

-Mas não é apenas isso, pai. Eu acho que a Selune está apaixonada por ele. Eu não quero magoá-la...

-Você acha ou tem certeza? - perguntou Nicholas, ainda sério.

-Acho...- respondeu a menina, quase em um murmúrio.

-Minha princesa, - a voz de Nicholas adquira agora um tom doce e complacente. Sua garotinha já tivera a sua cota de severidade paterna do dia, o que ela precisava agora era de um pouco de compreensão. - você não pode tomar uma decisão tão séria apenas baseada em suposições. Você precisa conversar com Lucien ou Selune sobre isso. Só esclarecendo tudo é que as coisas realmente vão se resolver.

Nick olhou para a filha com ternura. Queria muito fazer mais por sua menina que apenas dar aqueles conselhos, mas ele sabia que apenas Meri poderia escolher qual caminho trilhar pelos meandros de seu coração. Estendeu os braços para a filha, falando com brandura.

-Vem cá, Pimentinha.

Meri recostou-se no peito de Nicholas, deixando-se ser novamente abraçada pelo pai.

-Você tem que parar de ter medo de ser feliz, filha...Escuta o seu coração. - disse o escritor beijando a filha no alto da cabeça por sobre os cabelos rubros.

"Ouvir meu coração?", pensou a menina consigo mesma. Como ela queria que aquilo fosse tão simples quanto o pai fazia parecer.

Parte 3 - Reminiscências e Resoluções


Nicholas estava sentando em seu escritório, observando um velho álbum, onde imóveis retratos trouxas confundiam-se com movimentadas fotografias bruxas. Uma jovem de longos cabelos carmesim e brilhantes orbes verdes acenava para ele enquanto o vento beijava suavemente seus cachos em um belo dia de verão, muitos anos atrás... A mesma mulher segurava no colo um pequeno bebê, de cabelos tão rubros quanto os de sua mãe... A mesma garotinha, que anos depois pousava para o pai, em uma foto imóvel e não mágica, fazendo pose de audaciosa em cima da sua pequena bicicleta que acabara de ganhar de aniversário...
O escritor se encontrava perdido nessas imagens e lembranças quando escutou uma leve batida na porta.

-Nick? - chamou a voz aveludada de feiticeira polonesa que dividia a residência com os Johnson.

-Pode entrar, Frida.- respondeu Nick, em um tom de voz meio abafado.

A polonesa abriu a porta, observando que Nicholas estava sentado na semi-penumbra da sala, com uma xícara de chá completamente intocada ao seu lado. Mesmo se ela não tivesse anos de treinamento como espiã, alguns deles, infelizmente gastos a serviço do Lord das Trevas, Frida não poderia deixar de notar que havia algo tremendamente errado com o concunhado.

-Meridiana não está aqui com você? Comprei o presente de Natal dela, e já queria da-lo... - disse a loira, mais para iniciar uma conversa que propriamente para saber a localização da sobrinha.

-Meri já está dormindo. Chegou muito cansada das compras, jantou e caiu direto na cama...- respondeu Nick, quase apático.

Frida aproximou-se suavemente da mesa de Nicholas, sentando-se defronte o trouxa e colocando os pacotes que trouxera consigo no chão.

-Qual o problema, Nico?

O escritor levantou o semblante carregado, encarando a ex-espiã de modo direto e incisivo, não havia razões para não ser sincero com a viúva do irmão de sua esposa.

-Ludovic me abordou hoje enquanto eu fazia compras com Meridiana... Ela não sabe que eu me encontrei pessoalmente com o bastardo. Minha filha estava dentro de uma loja quando o cretino se aproximou.

-E o que ele queria? - perguntou a loira, do modo mais objetivo possível. Não lhe adiantaria ficar nervosa por algo que já ocorrera. Precisava de informações para minimizar qualquer possível abordagem futura do comensal.

-O que você acha? Nos ameaçar, é claro... Me usou como garoto de recados para você e Kamus, dizendo que fazia questão de te matar pessoalmente e que vai usar a menina de Kamus para atingi-lo.

-Exatamente o que imaginamos que ele tencionava fazer. Mas não foi apenas isso que ele te falou, não é, Nicholas? Ele te contou, não contou?

O escritor assentiu.

-Sim, eu sei sobre o encontro entre ele e minha menina.

Frida suspirou de modo quase imperceptível.

-Sei que deveríamos ter te falado, Nico. Mas eu e Kamus tivemos receio sobre qual seria a sua reação...

-Você não tem porque se desculpar, Frida. Entendo perfeitamente as razões que levaram vocês dois a isso, especialmente considerando o comportamento insensato que eu assumi após a morte de Betsy. Era de se esperar que vocês não me achassem confiável... A questão é o que faremos agora?

-Acho que exatamente o que nós já estamos fazendo. Kamus está a cargo do caso perante o Ministério. Assim que ele voltar de viagem lhe informarei sobre o ocorrido. Quanto a mim, já acionei alguns dos meus contatos para ver o que descubro.

-Enquanto eu fico de braços cruzados, longe do caminho de vocês dois para não atrapalhar como o trouxa inútil que eu sou... - comentou o moreno, com um tom amargura na voz.

-Isso não é verdade! - disse Frida postando as mãos por sobre o braço de Nicholas. -Você não precisa enfrentar ou perseguir Ludovic para ser útil. Existe uma coisa que nem Kamus nem mesmo eu, por mais que eu me esforce, seriamos capazes de fazer: dar à Meridiana o apoio e o carinho necessários para que ela consiga enfrentar essa situação tão terrível. Agora que você sabe de tudo, tenho certeza que será um alento para ela, meu amigo.

-Você realmente acredita nisso?

-Acredito. Ludovic é muito mais louco e doente do que conseguimos conceber. E ele tem motivos que acha plenamente justificáveis para se vingar de cada um de nós. Você "corrompeu" a irmã dele, eu o "traí" duplamente, escolhendo Aldo e virando as costas para os ideais de Voldemort, e Kamus não apenas aprisionou o primo, mas também matou Rigel, a quem Ludovic tinha muito apreço. Portanto, não temos outra opção a não ser nos unirmos para neutraliza-lo. E você, Nico, acalmando e aconselhando Meri, tem um papel primordial, já que ela é o objetivo final daquele monstro. - respondeu a bruxa, com uma voz ao mesmo tempo objetiva e tranqüilizadora.

-Você tem razão, Frida... - concordou, Nick, por fim.

-Você vai contar para ela que já sabe de tudo?

-Ainda não... Não quero estragar o Natal dela. Vou esperar um pouco mais...ainda temos tempo até ela voltar para Hogwarts e eu para a América...

-Acho que é o melhor para se fazer agora. Meridiana é uma boa menina. Ela merece um pouco de felicidade também...

Parte 2 - Encontro com o Inimigo


A cidade de Londres estava completamente adornada de enfeites de Natal. Milhares de trouxas andavam apressados pelas ruas fazendo as compras de fim de ano, alheios a guerra que transcorria entre os bruxos, em um mundo muito mais próximo do que eles imaginavam.

Contudo, mesmo entre os habitantes do mundo mágico, um clima relativamente mais ameno se instaurara. O tempo não estava tão ruim nas últimas semanas como foram nos últimos meses, desde que Voldemort retornara. Talvez, até os comensais da morte também comemorassem o Natal, pensavam os mais esperançosos. Ou, talvez, diziam os mais céticos, o Ministério estivesse vetando a publicação de notícias mais sombrias no Profeta Diário com a chegada dos feriados, como uma tentativa de instaurar uma sensação de falsa segurança entre os bruxos do país.

Nicholas Johnson, famoso escritor de fantasia, chegara recentemente dos Estados Unidos para passar as festividades com a filha, Meridiana. Apesar de trouxa, Nick estava consciente da nova guerra que se instaurara no mundo mágico, embora ainda não tivesse conhecimento pleno da gravidade de situação. Seu primeiro ímpeto foi tentar fazer com que a filha ficasse dentro de casa durante todo o feriado, mas Meridiana estava inquieta. Sentia-se trancafiada. Queria sair um pouco, ver a cidade e matar a saudade do pai.

Depois de muito conversarem ficou combinado que Meri poderia levar a sua varinha para o passeio caso surgisse uma emergência, mesmo sendo ela uma menor, e, também, Frida, tia da menina, emprestou-lhe o pequeno espelho de sua caixinha de pó compacto que ganhara anos atrás do falecido marido, Aldebaran. O espelho de Frida era, na realidade, um espelho de dois sentidos, portanto qualquer eventualidade, bastava Meri usar o artefato para pedir auxílio à tia.
Assim, pai e filha passaram o dia inteiro batendo perna pelos mais diversos estabelecimentos comerciais. Eram tantos detalhes a se resolver: cartões e presentes para comprar e enviar, também precisavam providenciar os ingredientes para a ceia de Natal, assim como para os tradicionais biscoitos natalinos que Meri preparava anualmente para seus mais queridos amigos.

No meio do passeio, o escritor teve a oportunidade de conhecer uma das mais recentes amigas da filha, Mina MacFusty, que estava acompanhada de um primo. Realmente ficara impressionado com os conhecimentos literários da garota. De certo modo, ela lembrava ele próprio na idade dela. Mas, o que realmente o deixara satisfeito fora ver a alegria da filha naquele encontro fortuito. Talvez Meridiana estivesse certa ao reclamar que ele era demasiadamente super-protetor. Se ela tivesse ficado em casa como ele queria, não teria se divertido como merecia.

Foi um dia agitado, mas, enfim, próximo da chegada do crepúsculo, quando as luzes natalinas começavam a serem acesas pelas ruas da cidade como pequenos vaga-lumes incandescentes, quase tudo estava resolvido. Só restava um último lugar onde pai e filha precisavam passar antes de voltarem para casa. Os dois se encaminharam para o simpático bairro de Notting Hill, onde Jack Mercury mantinha uma loja de colecionáveis, objetos que, embora velhos, não eram necessariamente antiguidades, mas sim artefatos que algumas pessoas gostam de colecionar, geralmente relacionados a algum programa de TV, filmes, ou coisas do gênero.

-Tem certeza que não quer que eu entre, filha?

-Claro que não, paizinho, nós já discutimos isso. Este ano eu quero escolher o seu presente de Natal sozinha. Quero que seja especial e também que seja uma surpresa. Se você for comigo vai estragar.- respondeu a ruivinha, marota.

-Tudo bem, já que você insiste, querida. - emendou o escritor, sorrindo ternamente para a sua menina.

-Olha só, pai, você não tem com que se preocupar. Qualquer coisa eu peço ajuda ao Sr. Mercury. Juro que não vou demorar.

-Sendo assim, Pimentinha, prometo a você que vou naquele café da esquina comprar alguma coisa para beber. Conhecendo você e o Jack, tenho certeza que isso vai levar horas.- brincou o escritor.

-Pai, você é mesmo um bobo, sabia? - falou Meri, dando um beijo estalado na bochecha de Nick, e, sumindo, em seguida, loja adentro.

Nicholas esperou ao lado da porta. Colocou as mãos no bolso e balançou o corpo para frente e para trás para se aquecer. Aquele começo de noite estava muito mais frio que o esperado. Ele falara brincando sobre o Café, mas agora começava a lhe parecer uma excelente idéia. Em dois tempos iria até lá comprar um capuccino para si e quem sabe um chá para Meri. A filha nem perceberia a sua saída até que ele estivesse de volta.

Mal intencionou partir, o escritor percebeu que do outro lado da rua um homem o observava. Um homem bastante familiar. Nick passara o dia após o enterro de Elizabeth queimando todas as fotos em que o cretino aparecia sorrindo do mesmo modo cínico que estava agora. Mesmo nunca tendo o visto pessoalmente, era impossível para Johnson não reconhecer o assassino de sua esposa: seu cunhado Ludovic Black-Thorne.
Determinado, Nicholas não se deixou intimidar. O ódio mortal que sentia por aquele homem era o bastante para lhe dar coragem para atravessar a rua, com passos firmes, e encara-lo bem nos olhos.

-É muita ousadia sua sair do esgoto em que costuma se esconder e mostrar sua cara imunda por aqui - falou o escritor, olhos crispando de raiva incontida.

-Ora, ora, para um macaco sem poderes até que você tem certa coragem. Ou será mera estupidez? Saiba que muita gente de maior valor que você já morreu em minhas mãos por muito menos. - respondeu Ludovic com o seu usual e irritante tom de ironia.

-O que é que você está fazendo aqui, seu porco imundo? - continuou o trouxa, sem demonstrar qualquer sinal de temor.

-Isso é jeito de me dar as boas-vindas, cunhadinho? - comentou o comensal, sorrindo sardonicamente.

Nicholas mal conseguia suportar a presença do irmão mais velho de Elizabeth diante de si. Durante dezesseis anos tentou imaginar como seria estar cara a cara com aquele monstro. Perdera a conta de quantas vezes durantes todos aqueles solitários anos remoera dentro de si aquela possibilidade. E agora, finalmente, a coisa era real. Fechou o punho com força, esperando a oportunidade certa para desferir o golpe. Era pouco diante do rancor imensurável que sentia por aquele maldito que destruíra a sua família.

-Seu cretino filho de uma... Como pôde matar a minha Betsy seu monstro maldito? Eu devia...

Ludovic, que percebera as intenções de Nicholas, apenas lançou ao cunhado um gélido olhar.

-Você não vai fazer absolutamente nada, seu sangue-ruim medíocre. Não ousaria, pelo menos não enquanto a minha adorável sobrinha estiver totalmente desprotegida no interior daquela loja. Sem falar, é claro, que, sentimentalóide e fraco como você é, nunca arriscaria a vida de todos esses trouxas insignificantes que estão à nossa volta, não?

Nicholas se refreou. Era verdade, havia muita gente inocente por perto. E também havia Meri... Ludovic havia sido bastante perspicaz. Não havia nada que o trouxa pudesse fazer no momento.

-E respondendo à sua pergunta, cunhadinho, como eu te disse naquela carta, anos atrás, eu só matei a minha irmãzinha amada para salva-la, para purificá-la da mácula de ter se envolvido com um animal imundo como você. E como você também já sabe, estou aqui por Meridiana, para transformá-la em uma verdadeira Black-Thorne. Apesar de todos esses anos sendo estragada por você, ainda existem boas chances de ela ouvir o chamado do sangue.

Nicholas tremeu por dentro. Se lhe era insuportável ficar tão próximo assim do assassino de sua esposa, pior era a sensação de pensar no que aquele ser hediondo poderia fazer com sua filha.

-Se você ousar tocar em um fio de cabelo da minha menina, eu te juro que... - a ira presente em cada uma das palavras proferidas pelo trouxa.

A fala de Nick foi interrompida pela estrondosa e desdenhosa gargalhada do comensal.

-Você não sabe, não é? Ela não te contou, provavelmente porque Frida e Kamus a convenceram.- respondeu Ludovic, em puro deboche.

-Não me contou o que, seu cretino?

-Que eu e minha querida sobrinha já tivemos a nossa dança em junho passado. Nós nos encontramos nas cavernas de Hogsmeade e por muito, muito pouco Meridiana não se tornou a minha mais nova pupila.

-Você está mentindo. - disse, Nick, em um tom ligeiramente alterado, cerrando os punhos com força para tentar se controlar.

-Você sabe que não. E sabe por que ninguém te falou nada? Porque todos sabem que você é um trouxa patético e inútil, que seria muito fácil para mim me aproximar de você e usa-lo como isca para atrair Meridiana.- continuou Ludovic a falar, em meio a um sardônico sorriso a brincar-lhe nos lábios.

-Eu não tenho medo de você, Ludovic, nunca tive.- Nicholas fervia em sua fúria.

-Pois deveria. E saiba que só não te levo comigo ou te mato agora mesmo porque preciso que você leve um recado para os dois traidores. Diga a Frida e Kamus que eu não me esqueci deles. Vou pegar cada um na hora certa. Faço questão de matar a concubina do imundo do meu irmão pessoalmente. E quanto ao meu querido priminho, tenho um castigo especial por ter me deixado apodrecer em Azkaban. Diga a Kamus que terei o prazer de fazer com a filhinha dele o mesmo que o primo Rigel fez tão bem com a mestiça com quem Kamus se envolveu. Vou torturar lentamente a pequena Adhara, até que ela me implore para morrer.- disse o comensal de modo calmo e seco, como se não falasse de assassinatos e torturas, mas de um assunto tão banal quanto o clima frio que circundava a ele e o cunhado.

Nicholas cerrou os punhos com ainda mais força. Aquele homem era completamente insano. Todos eles corriam sério perigo enquanto Ludovic estivesse à solta. Embora estivesse ressentido sobre a omissão do encontro entre Meridiana e seu tio, ele conseguia compreender tal decisão por parte de Frida e Kamus. Eram as mentes de um auror e uma ex-espiã trabalhando, e como tal, a decisão mais lógica seria minimizar as possíveis vantagens do inimigo. Se Nicholas soubesse do fato antes, certamente teria voltado muito mais cedo para a Inglaterra e não teria descansado enquanto não encontrasse o cunhado, mesmo que morresse no processo. Mas agora, percebia que essa seria uma atitude insensata. Precisava pensar em sua filha.

-Já que você está nos dando recados, seu bastardo, também vou lhe dar o meu. Se você ousar se aproximar novamente da minha filha, eu te juro, te juro pela memória de Elizabeth, que vou atrás de você até o fim do mundo se preciso e acabo com a sua raça.

-Veremos, verme, veremos - respondeu Ludovic, virando calmamente as costas para Nick, e sumindo no meio da multidão que os circundava.

Nicholas ficou mais alguns minutos, ali, em total estado de estupor, até que ouviu a voz da filha lhe chamando. Virou-se e viu Meri, contente, segurando um embrulho entre as mãos. Sem dizer nenhuma palavra, aproximou-se de sua menina, beijou-lhe a fronte e depois lhe deu um forte abraço.

-Eu te amo, minha princesinha. - falou, comovido. - Quero que nunca se esqueça de que você é a pessoa mais importante da minha vida.

-Eu também te amo, pai. - respondeu Meri, deixando-se perder no abraço do pai, sem entender o que estava acontecendo.

Nicholas sabia que, agora mais do que nunca, ele, Frida e Kamus precisavam conversar seriamente sobre a ameaça de Ludovic que pairava sobre todos eles. Nick poderia não ser dotado de magia, mas faria o que pudesse para manter a sua menina sã e salva.

Parte 1 - As Brumas do Passado


A mulher observava a rua pela janela da cafeteria. Pessoas caminhavam de um lado para o outro, apressadas, afinal, faltavam pouquíssimos dias para o Natal. Mesmo com o tempo excepcionalmente ruim que se abatera no país naquele ano, o espírito das festividades ainda se mantinha forte. Ela se esquecera do quanto Londres poderia ser maravilhosa naquela época do ano.
O barulho do sininho de latão indicou que alguém entrara no estabelecimento, fazendo com que a mulher voltasse sua atenção para a porta. Ela sorriu. Ele mudara muito pouco desde a última vez que ela o vira.
Ele sorriu de volta, cumprimentando-a com um discreto aceno de mão. Aproximou-se da mesa, sentando-se defronte a ela.

-Nunca pensei que fosse te ver novamente por aqui. - disse ele, com uma expressiva alegria na voz. - Quanto tempo faz?

-Quase dezessete anos...- ela respondeu, abaixando os olhos, como se uma pontada de culpa pela ausência tão grande a incomodasse.

Um silêncio constrangedor se abateu sobre os dois, até que a aproximação de uma garçonete chamou-lhes a atenção.

-Com licença - disse a jovem morena, que tinha os cabelos escondidos sob um boina azul, e retirava do bolso do avental um bloco de papel e caneta - Vocês desejam alguma coisa?

-Uma xícara de Earl Green por favor - disse o homem.

A mulher, que já tomava um chá, agradeceu à garçonete pela oferta, e sorrindo, voltou-se para seu acompanhante.

-Depois de todo esse tempo, não acredito que você continua tomando o mesmo chá! - disse ela.

-Não me venha tirar sarro - retrucou ele, divertido- aposto que é chá de maçã que tem nessa sua xícara!

Ela soltou uma risada curta, balançando a cabeça.

-Adivinhou!

-Os anos passam e algumas coisas nunca mudam, não é mesmo, Marion? - perguntou o homem.

Marion abaixou a cabeça, fixando o olhar no líquido fumegante contido na xícara que segurava com ambas as mãos. Embora não fosse a intenção do escritor, o gracejo de Nicholas, a fizera se sentir demasiadamente melancólica.

-É até engraçado...- começou a negra- Se a gente fizer um pouquinho de esforço...Não precisa ser muito...Dá até para imaginar que voltamos no tempo. Que Betsy vai passar por aquela porta a qualquer minuto...

-Você não tem idéia do quanto eu queria que isso fosse possível, Mari... - respondeu Nick, incapaz de esconder a amargura que cada uma daquelas palavras o fazia sentir.

Marion levantou o rosto, observando Nick, que mexia quase mecanicamente a colher que estava em sua xícara.

-Você ainda sente falta dela, não é? - ela perguntou.

-Cada segundo de minha vida, Mari. Cada segundo. Parte de mim se foi com ela. E se ainda tive forças para continuar aqui, devo isso à minha filha...

A negra apertou um pouco mais a caneca que tinha entre as mãos. Compreendia a dor do escritor, pois também amara Betsy de um modo sincero e intenso. A falecida auror fora para ela mais que uma amiga. Elizabeth era a irmã que o destino lhe concedeu e depois cruelmente lhe tomou.

-Nick...Você deve estar surpreso de me ver aqui...Tinha prometido a mim mesma que nunca mais pisaria na Inglaterra novamente...Mas...Bem, a verdade é que fugi por demais do meu passado, queria esquecer toda dor que a guerra nos causou...Confesso até mesmo que sabia que você estava em Nova York. Moro lá agora com meu marido e minha filha...Li uma reportagem sobre o seu filme...Mas não tive coragem de te procurar...

-Marion...- começou ele, colocando as mãos por cima das da negra. - você não tem que se desculpar por nada...É compreensível...Acredite, eu consigo te entender muito mais que imagina.

Marion sorriu de um modo triste e cinzento.

-Só queria saber o que te levou a voltar aqui, justo agora. - continuou Nick.

-Você quer a desculpa que usei ou a verdade? - perguntou a negra.

-Talvez as duas...

Marion deixou um suspiro indesejado escapar. Para ela ainda era demasiadamente doloroso encarar o passado que tentara deixar para trás.

-Bem, depois de todos esses anos consegui realizar meu sonho de ser estilista. E finalmente vou ter minha coleção exibida em Paris, no Ano Novo. Até consegui que Maddie Sinn desfilasse para mim, mas...

-Mas... -disse Nick encorajando Marion a continuar.

-Mas a verdade é que pretendia vir aqui de todo jeito, mesmo sem a desculpa de aproveitar a viagem à Paris para visitar a Inglaterra no caminho. Eu simplesmente precisava vê-la...Ver a filha de minha amiga. Vê-la agora que a guerra voltou a estourar e tentar impedir que você cometa o mesmo erro que Betsy cometeu...

Nick sorriu quase inconscientemente ao pensar na filha e na esposa, sem nem ao mesmo refletir como sua atitude poderia ser interpretada por Marion. Ele entendia as boas intenções da amiga da falecida esposa, e, em parte, concordava com ela, mas Mari já deveria imaginar que tanto a ruiva mãe quanto a ruiva filha tinham a mesma teimosia.

-Eu sei o que você está sugerindo, Mari. Mas, Meridiana não vai querer sair da Inglaterra...

-Ela é tão parecida assim com Elizabeth? - perguntou a negra, num misto de admiração e espanto.

-Muito mais do que eu gostaria de admitir... A mesma doçura, a mesma coragem...

-E a mesma cabeça-dura?

Nicholas riu.

-Exatamente!

Marion sorriu em retribuição.

-Você deve ter muito orgulho dela, não? Dá para notar na sua voz.

O sorriso do escritor se ampliou ainda mais. Meridiana era realmente seu pequeno tesouro, seu maior feito.

-Não poderia ter desejado uma filha melhor. Betsy concordaria comigo se estivesse conosco.

-Por isso mesmo, eu te imploro Nick - disse Marion, se exaltando e debruçando-se sobre a mesa em direção do escritor - Não cometa o mesmo erro de 16 anos atrás. Fuja daqui com sua filha, saia do país antes que aconteça um nova tragédia.

Nick balançou a cabeça, novamente sério.

-Mari, você realmente acha que eu não pensei nisso? Especialmente depois que Ludovic fugiu de Azkaban? Mas como você mesma adivinhou, Meri é teimosa como a mãe. Além disso, se existe um lugar em que ela vai estar segura é em Hogwarts. Você estudou lá, sabe melhor que eu que a escola é uma fortaleza. Duvido que Ludovic ou qualquer outro comensal - ou sei lá como esse loucos se chamam agora -consigam invadir aquele lugar. E minha filha estando em segurança, pouco me importa o resto.

-Talvez você tenha razão, Nick...- concordou ela, por fim, resignada com a lógica das afirmações do amigo.

-Olha, Mari, se você quer realmente conhecer minha menina, por que não passa o Natal conosco? Tenho certeza que Meri vai ficar bastante feliz em conhecer a melhor amiga da mãe.

A negra sorriu.

-Séria ótimo, Nick.