quinta-feira, janeiro 25, 2007

Parte 1 - As Brumas do Passado


A mulher observava a rua pela janela da cafeteria. Pessoas caminhavam de um lado para o outro, apressadas, afinal, faltavam pouquíssimos dias para o Natal. Mesmo com o tempo excepcionalmente ruim que se abatera no país naquele ano, o espírito das festividades ainda se mantinha forte. Ela se esquecera do quanto Londres poderia ser maravilhosa naquela época do ano.
O barulho do sininho de latão indicou que alguém entrara no estabelecimento, fazendo com que a mulher voltasse sua atenção para a porta. Ela sorriu. Ele mudara muito pouco desde a última vez que ela o vira.
Ele sorriu de volta, cumprimentando-a com um discreto aceno de mão. Aproximou-se da mesa, sentando-se defronte a ela.

-Nunca pensei que fosse te ver novamente por aqui. - disse ele, com uma expressiva alegria na voz. - Quanto tempo faz?

-Quase dezessete anos...- ela respondeu, abaixando os olhos, como se uma pontada de culpa pela ausência tão grande a incomodasse.

Um silêncio constrangedor se abateu sobre os dois, até que a aproximação de uma garçonete chamou-lhes a atenção.

-Com licença - disse a jovem morena, que tinha os cabelos escondidos sob um boina azul, e retirava do bolso do avental um bloco de papel e caneta - Vocês desejam alguma coisa?

-Uma xícara de Earl Green por favor - disse o homem.

A mulher, que já tomava um chá, agradeceu à garçonete pela oferta, e sorrindo, voltou-se para seu acompanhante.

-Depois de todo esse tempo, não acredito que você continua tomando o mesmo chá! - disse ela.

-Não me venha tirar sarro - retrucou ele, divertido- aposto que é chá de maçã que tem nessa sua xícara!

Ela soltou uma risada curta, balançando a cabeça.

-Adivinhou!

-Os anos passam e algumas coisas nunca mudam, não é mesmo, Marion? - perguntou o homem.

Marion abaixou a cabeça, fixando o olhar no líquido fumegante contido na xícara que segurava com ambas as mãos. Embora não fosse a intenção do escritor, o gracejo de Nicholas, a fizera se sentir demasiadamente melancólica.

-É até engraçado...- começou a negra- Se a gente fizer um pouquinho de esforço...Não precisa ser muito...Dá até para imaginar que voltamos no tempo. Que Betsy vai passar por aquela porta a qualquer minuto...

-Você não tem idéia do quanto eu queria que isso fosse possível, Mari... - respondeu Nick, incapaz de esconder a amargura que cada uma daquelas palavras o fazia sentir.

Marion levantou o rosto, observando Nick, que mexia quase mecanicamente a colher que estava em sua xícara.

-Você ainda sente falta dela, não é? - ela perguntou.

-Cada segundo de minha vida, Mari. Cada segundo. Parte de mim se foi com ela. E se ainda tive forças para continuar aqui, devo isso à minha filha...

A negra apertou um pouco mais a caneca que tinha entre as mãos. Compreendia a dor do escritor, pois também amara Betsy de um modo sincero e intenso. A falecida auror fora para ela mais que uma amiga. Elizabeth era a irmã que o destino lhe concedeu e depois cruelmente lhe tomou.

-Nick...Você deve estar surpreso de me ver aqui...Tinha prometido a mim mesma que nunca mais pisaria na Inglaterra novamente...Mas...Bem, a verdade é que fugi por demais do meu passado, queria esquecer toda dor que a guerra nos causou...Confesso até mesmo que sabia que você estava em Nova York. Moro lá agora com meu marido e minha filha...Li uma reportagem sobre o seu filme...Mas não tive coragem de te procurar...

-Marion...- começou ele, colocando as mãos por cima das da negra. - você não tem que se desculpar por nada...É compreensível...Acredite, eu consigo te entender muito mais que imagina.

Marion sorriu de um modo triste e cinzento.

-Só queria saber o que te levou a voltar aqui, justo agora. - continuou Nick.

-Você quer a desculpa que usei ou a verdade? - perguntou a negra.

-Talvez as duas...

Marion deixou um suspiro indesejado escapar. Para ela ainda era demasiadamente doloroso encarar o passado que tentara deixar para trás.

-Bem, depois de todos esses anos consegui realizar meu sonho de ser estilista. E finalmente vou ter minha coleção exibida em Paris, no Ano Novo. Até consegui que Maddie Sinn desfilasse para mim, mas...

-Mas... -disse Nick encorajando Marion a continuar.

-Mas a verdade é que pretendia vir aqui de todo jeito, mesmo sem a desculpa de aproveitar a viagem à Paris para visitar a Inglaterra no caminho. Eu simplesmente precisava vê-la...Ver a filha de minha amiga. Vê-la agora que a guerra voltou a estourar e tentar impedir que você cometa o mesmo erro que Betsy cometeu...

Nick sorriu quase inconscientemente ao pensar na filha e na esposa, sem nem ao mesmo refletir como sua atitude poderia ser interpretada por Marion. Ele entendia as boas intenções da amiga da falecida esposa, e, em parte, concordava com ela, mas Mari já deveria imaginar que tanto a ruiva mãe quanto a ruiva filha tinham a mesma teimosia.

-Eu sei o que você está sugerindo, Mari. Mas, Meridiana não vai querer sair da Inglaterra...

-Ela é tão parecida assim com Elizabeth? - perguntou a negra, num misto de admiração e espanto.

-Muito mais do que eu gostaria de admitir... A mesma doçura, a mesma coragem...

-E a mesma cabeça-dura?

Nicholas riu.

-Exatamente!

Marion sorriu em retribuição.

-Você deve ter muito orgulho dela, não? Dá para notar na sua voz.

O sorriso do escritor se ampliou ainda mais. Meridiana era realmente seu pequeno tesouro, seu maior feito.

-Não poderia ter desejado uma filha melhor. Betsy concordaria comigo se estivesse conosco.

-Por isso mesmo, eu te imploro Nick - disse Marion, se exaltando e debruçando-se sobre a mesa em direção do escritor - Não cometa o mesmo erro de 16 anos atrás. Fuja daqui com sua filha, saia do país antes que aconteça um nova tragédia.

Nick balançou a cabeça, novamente sério.

-Mari, você realmente acha que eu não pensei nisso? Especialmente depois que Ludovic fugiu de Azkaban? Mas como você mesma adivinhou, Meri é teimosa como a mãe. Além disso, se existe um lugar em que ela vai estar segura é em Hogwarts. Você estudou lá, sabe melhor que eu que a escola é uma fortaleza. Duvido que Ludovic ou qualquer outro comensal - ou sei lá como esse loucos se chamam agora -consigam invadir aquele lugar. E minha filha estando em segurança, pouco me importa o resto.

-Talvez você tenha razão, Nick...- concordou ela, por fim, resignada com a lógica das afirmações do amigo.

-Olha, Mari, se você quer realmente conhecer minha menina, por que não passa o Natal conosco? Tenho certeza que Meri vai ficar bastante feliz em conhecer a melhor amiga da mãe.

A negra sorriu.

-Séria ótimo, Nick.

Nenhum comentário: