quinta-feira, janeiro 25, 2007

Parte 4 - Conversa de Pai e Filha


A manhã da véspera de Natal chegou demasiadamente silenciosa na casa dos Johnson. Nicholas e Meridiana estavam na sala de estar montando a árvore de Natal. Frida avisara mais cedo que passaria o dia todo na Companhia Nimbus, resolvendo alguns negócios de última hora e só chegaria quase na hora da ceia, portanto, cabia apenas ao pai e à filha ajeitarem os últimos preparativos para a festa.
O escritor se apoiava em uma pequena escada para colocar os enfeites no pinheiro que comprara no início da manhã, antes da filha acordar. Entretido em tentar afastar dos pensamentos o desagradável encontro que tivera com o cunhado no dia anterior, ele mal notou que a própria Meridiana estava imersa em seus pensamentos e entregava-lhe mecanicamente as coloridas bolas de vidro.

-Filha, me passa agora um anjo ao invés de uma bola, sim? - pediu Nicholas, estendendo a mão sem olhar para baixo. Quando sentiu seus dedos se fecharem sobre uma forma arredondada, percebeu que Meri não escutara uma palavra sequer do que ele dissera.

Abaixou o rosto, observando atentamente a filha. Meridiana tinha o olhar opaco e distante, perdido em algum ponto impreciso da sala. Toda a energia vibrante que ela demonstrara nos dia anteriores, especialmente quando a Adhara a viera visitar ou encontraram Mina por um acaso, haviam desaparecido por completo. Era claro, para Nick, que havia alguma coisa errada com sua menina. Ele desceu da escada, colocando a mão no ombro da garota. Meri olhou para o pai como se tivesse recém despertado de um sonho.

-Qual é o problema, filha? - perguntou Nick, de modo afetuoso.

-Eu...eu...- a ruivinha gaguejou sem saber o que dizer. Deveria contar para o pai sobre Lucien? Ela mesma não entendia o que estava acontecendo e não havia realmente nada que Nicholas pudesse fazer.

Diante da indecisão da filha, Nick pegou a caixa de enfeites que Meri segurava e colocou no chão. Abraçou Meridiana. A menina deixou-se envolver pelos braços do pai, fechando os olhos.

O escritor afagou carinhosamente os cabelos da menina, dizendo:

-Me diz, o que está te incomodando, Pimentinha...

-Você quer mesmo saber? Mesmo não podendo fazer nada para me ajudar? - perguntou a jovem bruxa abraçada ao pai, olhos ainda cerrados.

-Mesmo se for assim eu quero saber.

Meridiana afastou-se um pouco de Nick, tomando fôlego e criando coragem o suficiente para dizer as próximas palavras. Sentia que precisava desabafar. Urgia nela a necessidade de colocar para fora tudo o que a afligia, pois caso não o fizesse, ela sentia que iria simplesmente estourar como um explosivim desgovernado. E a quem mais poderia recorrer a não ser seu pai? Nicholas poderia ter os defeitos dele e Meri não era necessariamente uma pessoa fácil. Tinham suas brigas e discussões como qualquer pai e filha, em parte pela teimosia dela e outro tanto pelo jeito super-protetor dele. Contudo, essas pequenas discussões acabavam servindo muito mais para fortalecer o elo que os unia que para minar a forte confiança que havia entre eles. E era com essa certeza dentro de si, que a grifinória decidiu se abrir com o pai.

-Eu estou apaixonada.

Nicholas deixou escapar uma risada curta. Meridiana olhou para o pai, um pouco aturdida. Aquela era a última reação que esperava vir dele. Sentiu-se até mesmo um pouco ultrajada com aquilo, fechando o cenho quase de modo reflexo. O trouxa notou o semblante carregado da menina, e, decidiu esclarecer as coisas. Aquele era um assunto sério, e, talvez, até mesmo delicado, e era necessário que fosse tratado com igual deferência. Eram os sentimentos de sua filha que estavam ali. Nunca seria capaz de tratar tal assunto com leviandade e Meridiana precisava saber disso.

-Desculpa, Pimentinha.- falou, agora sério- Eu não estou rindo de você. Só estou aliviado. Pensei que fosse algo pior, se é que você me entende.

A menina deu um sorriso pálido, se acalmando um pouco. Sim, ela compreendia. Sabia que o pai estava se referindo ao tio dela, apesar de ainda não ter conhecimento sobre o recente encontro entre o trouxa e o comensal.

-Vem, filha, vamos nos sentar no sofá. Não dá para tratarmos de algo tão importante em pé, no meio da sala.

Meridiana assentiu, deixando-se guiar por Nick que a conduziu pela mão até o móvel. Depois de acomodar a filha cuidadosamente no assento, Nick sentou-se ao lado dela, perguntando:

-Então, quem é o rapaz?

-O nome dele é Lucien. Eu já falei dele para você...- respondeu Meri.

-Várias e várias vezes. - o escritor sorriu marotamente - Tantas que eu devia até ter desconfiado.

As bochechas de Meridiana ficaram completamente rosadas ante o comentário do pai. Sentiu o rosto queimar com mais intensidade ao se preparar para o que diria em seguida.

-Nós nos beijamos pouco antes do feriado - disse ela quase em um engasgo. Se ela começara aquela conversa, teria que ir até o fim, sem omitir nada do que acontecera. - e eu simplesmente pedi para ele me esquecer depois disso...

Nicholas sentiu uma pontada fina em seu coração ao ouvir as palavras da filha. Então era aquele o problema, ela estava fugindo daquilo que sentia, e bem conhecendo o caráter de Meridiana, ele pôde imaginar o que se passava pela cabeça de sua menina, especialmente agora que sabia sobre o encontro dela e Ludovic em junho passado.

-Você tem medo de que Ludovic possa fazer algo contra o rapaz se vocês dois se envolverem? - perguntou Nick, de modo firme e direto. Tão direto que Meri não conseguiu conter o espanto em seu rosto. Ela arregalou os olhos, completamente estupefata.

Era a primeira vez que o pai mencionava o tio tão abertamente desde que ele descobrira sobre a fuga do comensal e quisera levar Meri consigo para a América cerca de um ano atrás. O irmão de sua mãe praticamente se tornara um tabu entre eles. E se Nicholas o mencionara era porque realmente entendia a relevância do que Meridiana lhe dizia.Ela ficou realmente agradecida ao pai por isso.

-Bem, - começou ela- essa é apenas metade da história, pai... Eu não suportaria ver Lucien ferido por minha causa. Não posso pedir para ele se arriscar...

Nicholas balançava a cabeça negativamente.

-Filha, você não pode pensar assim. - sua voz era grave e séria. Uma seriedade que Meridiana nunca antes vira Nick demonstrar. - Sei que você quer proteger Lucien, mas você não pode decidir por ele...

-Mas, pai...

-Não tem mas, Meri!. Me deixa terminar antes de argumentar. -cortou o escritor de modo severo. Talvez ele estivesse sendo duro demais, mas não podia permitir que a filha jogasse a própria felicidade pela janela por causa de teimosia e idéias equivocadas - Sei que tem a melhor das intenções, mas agir assim só vai piorar as coisas.

Meridiana abriu a boca para novamente tentar se manifestar, mas o pai apenas acenou para que ela esperasse. A filha podia ser muito inteligente quando se tratava de livros e estudos, mas em questões do coração, ela ainda tinha muito a aprender. E ele sabia que as palavras que diria a seguir eram de suma importância para esse aprendizado. Precisava que Meri absorvesse cada uma delas em sua totalidade, ou sua menina estaria fadada a concretizar aquela que poderia ser a maior burrada de toda a sua vida.

-Sabe, quando eu e sua mãe nos conhecemos, a situação não era muito diferente daquela que vivemos hoje. Havia uma guerra tão terrível quanto a atual. E seu tio já era um comensal quando começamos a namorar. Isso não impediu Elizabeth de ficar comigo, nem eu de tomar a decisão de me casar com ela. E mesmo as coisas tendo acabado como acabaram, eu te juro, filha, se eu tivesse outra chance, faria exatamente tudo do mesmo modo. Toda dor que veio depois não foi o suficiente para apagar cada segundo de felicidade que eu passei ao lado de sua mãe. Você não pode nem deve parar de viver por causa do seu tio.

A ruivinha baixou os olhos, comprimindo por entre os dedos a barra da saia de xadrez vermelho que vestia. O pai tinha toda razão, mas ela seria capaz de seguir aqueles conselhos?

-Mas não é apenas isso, pai. Eu acho que a Selune está apaixonada por ele. Eu não quero magoá-la...

-Você acha ou tem certeza? - perguntou Nicholas, ainda sério.

-Acho...- respondeu a menina, quase em um murmúrio.

-Minha princesa, - a voz de Nicholas adquira agora um tom doce e complacente. Sua garotinha já tivera a sua cota de severidade paterna do dia, o que ela precisava agora era de um pouco de compreensão. - você não pode tomar uma decisão tão séria apenas baseada em suposições. Você precisa conversar com Lucien ou Selune sobre isso. Só esclarecendo tudo é que as coisas realmente vão se resolver.

Nick olhou para a filha com ternura. Queria muito fazer mais por sua menina que apenas dar aqueles conselhos, mas ele sabia que apenas Meri poderia escolher qual caminho trilhar pelos meandros de seu coração. Estendeu os braços para a filha, falando com brandura.

-Vem cá, Pimentinha.

Meri recostou-se no peito de Nicholas, deixando-se ser novamente abraçada pelo pai.

-Você tem que parar de ter medo de ser feliz, filha...Escuta o seu coração. - disse o escritor beijando a filha no alto da cabeça por sobre os cabelos rubros.

"Ouvir meu coração?", pensou a menina consigo mesma. Como ela queria que aquilo fosse tão simples quanto o pai fazia parecer.

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